A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

UM PAÍS CONFLAGRADO

REVISTA ISTO É N° Edição: 2361 | 27.Fev.15


Caldeirão social fervilha em meio a brigas de militantes nas ruas, paralisações de rodovias por caminhoneiros, greves de professores e metalúrgicos e uma população cada vez mais revoltada com o aumento do desemprego e do custo de vida. Aonde vamos parar?


Eumano Silva




No final da tarde da terça-feira 24, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se dirigiu à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, para participar de uma manifestação em favor do governo Dilma Rousseff. Organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela Federação Única dos Petroleiros (FUP), o ato público tinha por mote a “defesa da Petrobras”, bandeira política empunhada pelo PT para tentar se contrapor ao bilionário escândalo de corrupção estourado há quase um ano pelos investigadores da Operação Lava Jato. A reunião programada para dar demonstração de força de setores alinhados com as causas governistas, no entanto, transformou-se num lamentável retrato do grau de radicalização e intolerância que tomou conta do País nos últimos tempos. Antes mesmo da chegada de Lula, os cerca de 500 militantes que o aguardavam entraram em confronto físico com duas dezenas de pessoas que se dirigiram ao local para gritar contra o governo e a corrupção. A partir desse momento, o espaço em frente à sede da ABI virou ringue de pancadaria entre os ativistas. As lamentáveis cenas remetiam aos insanos embates entre torcidas organizadas de futebol. De um lado, as tradicionais cantorias “olê, olê, Lula, Lula” e, do outro, os gritos de “Lula, ladrão, Lula, ladrão”. A troca de sopapos só terminou depois que a PM chegou. Do lado de dentro da associação, Lula jogava gasolina na fogueira fazendo uma convocação belicosa recheada de expressões como “luta” e “guerra”.


AMBIENTE INFLAMÁVEL
Na tarde da terça-feira 24, militantes se digladiaram em frente à ABI, durante
ato em defesa da Petrobras. Do lado de dentro da associação, Lula conclamou
a militância à luta. Nessa atmosfera conturbada, caminhoneiros paralisaram
as principais rodovias do País e sindicalistas vestidos de leões
protestaram contra a deterioração dos salários

A confusão da ABI simboliza o ambiente conturbado e perigoso vivido pelo Brasil, dois meses depois de iniciado o segundo mandato da presidente Dilma. O caldeirão social fervilha em meio a paralisações de rodovias por caminhoneiros, greves de professores e metalúrgicos em Estados importantes do País e uma população cada vez mais insatisfeita com o aumento do desemprego e do custo de vida. O flagrante contraste entre as promesssas de campanha de Dilma e a realidade ajuda a engrossar o caldo. De norte a sul do País, diferentes segmentos políticos, sociais e econômicos se levantam para protestar contra o governo federal e, também, contra alguns Executivos estaduais. A soma de todas as insatisfações cria um ambiente nervoso e descontrolado que, em muitos aspectos, se mostra mais grave que o clima de convulsão social de junho de 2013, quando as ruas das capitais e grandes cidades foram tomadas por gigantescas manifestações e quebra-quebras que levaram insegurança e prejuízos à população. “Estamos vivendo um acirramento do debate político, o processo eleitoral parece continuar e existe um preocupante estado de animosidade”, alerta Marco Antonio Teixeira, professor da FGV, doutor em ciências sociais.

Embalados pelo desgaste crescente do governo, diversos segmentos se mobilizam. Pelas redes sociais, convoca-se para o dia 15 de março uma grande manifestação em todo o País pelo impeachment da presidente Dilma. Se depender da vontade dos mais empolgados, um milhão de pessoas sairão às ruas. Essa empreitada une no mesmo pacote os núcleos mais radicalizados da oposição, antipetistas – com ou sem filiação partidária – insatisfeitos de modo geral com os rumos do Brasil e setores ligados a militares da reserva defensores da ditadura – esses últimos, tradicionais adversários de agremiações de esquerda, como o PT, e da democracia.


GREVES ESTADUAIS
No Paraná e no Distrito Federal, professores protestam contra os baixos salários.
A paralisação adiou o início do ano letivo, que até a sexta-feira 27 não havia começado



Se há dois anos as multidões se revoltaram contra os preços das passagens de ônibus urbanos e as deficiências na organização da Copa do Mundo, agora o mau humor guarda relação com a enxurrada de denúncias de corrupção do Petrolão e com as medidas anunciadas por Dilma para enfrentar a crise econômica que a presidente reeleita legou a ela mesma. Os primeiros sinais de descontentamento começaram ainda no ano passado, na esteira do resultado das urnas. Ao contrário do que propagandeou durante a campanha, a presidente Dilma aumentou os juros e baixou medidas que afetam direitos trabalhistas e previdenciários. Também ficou evidente que as manobras contábeis utilizadas no primeiro mandato jogaram a economia do País no buraco, com a inflação estourando o teto da meta e o crescimento em torno de zero. Tudo muito, mas muito diferente do mundo mágico alardeado pelo marqueteiro João Santana.

O Brasil de verdade aos poucos se apresentou. O País já havia saído dividido das urnas. O clima de ebulição social, no entanto, ficou mais escancarado nas últimas semanas, quando vários focos de insatisfação engrossaram os protestos contra os governantes. Metalúrgicos da região do ABC fizeram uma greve de seis dias contra ameaças de demissão nas montadoras, uma das consequências do desarranjo da economia nacional. Professores da rede pública do Paraná, Estado governado pelo tucano Beto Richa, e do Distrito Federal, sob a administração de Rodrigo Rollemberg, do PSB, organizaram paralisações contra salários atrasados e más condições de ensino. Nas duas unidades da federação, até a sexta-feira 27 o ano letivo ainda não havia começado.



Os maiores trans­­tornos para os brasileiros em decorrência dos desajustes econômicos e sociais aconteceram na semana passada. As principais rodovias do País foram bloqueadas por caminhoneiros que reclamaram dos preços do óleo diesel e apresentaram uma pauta de reivindicações que inclui aumento no valor dos fretes, refinanciamento das dívidas e sanção da Lei dos Caminhoneiros, aprovada no dia 11 de fevereiro pela Câmara. Os protestos dos caminhoneiros começaram na semana anterior, mas chegaram ao auge na terça 24 e na quarta-feira 25, quando os motoristas interromperam o tráfego em 12 Estados. O movimento bagunçou a rotina de cidadãos de todas as classes sociais e, em algumas regiões, atrapalhou o abastecimento, principalmente, de alimentos e combustíveis. No interior do Paraná e de Santa Catarina, supermercados ficaram fechados por falta de mantimentos e na sexta-feira 27 havia aeroportos sem operar por falta de combustível.

Com o País ameaçado de travar, com carretas e caminhões atravessados nas estradas, o Palácio do Planalto tentou agir para estancar a crise. Em reunião com os representantes dos caminhoneiros, o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência, afirmou que o governo se compromete a não aumentar o preço do diesel por seis meses e a conceder carência de um ano para os financiamentos. Se confirmada, a maior conquista do setor será o estabelecimento de uma planilha de preços para o frete, que haviam sido reduzidos pelas grandes empresas de agronegócio, principais contratadoras de frotas nesta época do ano, quando se escoa a maior parte da safra. Segundo o acerto, as reivindicações aceitas pelo governo só terão validade com o fim dos protestos nas estradas, o que ainda não havia acontecido totalmente até a sexta-feira 27.




TENSÃO
No Paraná, do governador Beto Richa, população faz enterro simbólico da Educação

Entre as manifestações radicais, fruto do ambiente inflamável, chocaram também as agressões verbais feitas contra o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, dentro do Hospital Albert Einstein na segunda-feira 23. Mantega estava no hospital para acompanhar sua mulher em um tratamento de câncer quando um grupo se dirigiu a ele com gritos e expressões como “vai para o SUS”. O radicalismo do momento inspira avaliações extremas e francos exageros até de analistas políticos: “É como se vivêssemos numa sociedade polarizada na Espanha da guerra civil”, diz outro cientista social, Milton Lahuerta, da Unesp. Apesar das turbulências sociais e econômicas, o Palácio do Planalto mantém um discurso público de normalidade. “Manifestações fazem parte da sociedade democrática e as instituições brasileiras são maduras e sólidas para conviver com isso. Esse governo nasceu na rua, sabe lidar com movimentos sociais, como ocorreu em 2013”, disse a ISTOÉ o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Porém, dentro e fora do governo, os ânimos petistas permanecem acirrados, como já ocorrera durante a campanha eleitoral, embalada pelo raivoso discurso do “nós contra eles”. Não por acaso, o idealizador desse discurso emerge, neste momento, com toda força de seu já proverbial destempero verbal.


ILHA
Apesar das turbulências sociais e econômicas, o Palácio do Planalto,
Dilma à frente, mantém um discurso público de normalidade

Em momentos de dificuldades políticas e econômicas, espera-se dos homens públicos, sobretudo dos mais experientes, o comportamento equilibrado necessário nas crises. Não é o que está acontecendo. Logo depois dos atritos violentos entre os militantes contra e a favor do governo, Lula deu uma pesada declaração para o público presente na manifestação no auditório da ABI. “Quero paz e democracia. Mas se eles querem guerra, eu sei lutar também”, afirmou o ex-presidente, no tom belicista que caracteriza seus discursos eleitorais. O líder ordenou e a tropa obedeceu. Poucas horas depois, o presidente do PT fluminense, Washington Quaquá, imbuído de intemperança verbal incitou os militantes partidários a usar métodos violentos nos confrontos com os adversários. Com expressões como “burguesinhos de merda” e “fdps”, Quaquá foi explícito em suas intenções: “Vamos pagar com a mesma moeda. Agrediu, devolvemos dando porrada”, escreveu no Twitter. Do outro lado da trincheira, o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman engrossa o coro da deposição de Dilma como uma possível saída para os impasses atuais. Nas palavras de Goldman, o impeachment permitiria uma “transição democrática” da administração petista para outro governo. Para os petistas, essa proposta é tratada como “golpe”. Com tantas más notícias, o Brasil virou tema de destaque da revista inglesa “The Economist”. A mais recente edição do semanário mostra uma passista de escola de samba atolada em uma gosma verde debaixo do título “O atoleiro do Brasil”. Essa é uma percepção do País muito diferente da de uma capa da revista em setembro de 2009, auge da reação da economia brasileira à crise internacional. Na ocasião, a manchete foi “O Brasil decola”. Como se vê, muita coisa mudou nos últimos cinco anos. Para muito pior.


EM DEFESA DO IMPEACHMENT
Ex-governador de São Paulo, Alberto Goldman defende a deposição de Dilma.
Para o integrante do PSDB, será a solução a para crise atual.

Fotos: Marcos de Paula/Estadão Conteúdo; Antônio Lacerda/EFE; Miguel SCHINCARIOL/AFP Photo; Márcio Cunha; Ag. o Dia/Estadão Conteúdo; Sérgio Lima/Folhapress, José Cruz/Ag. Brasil; Joka Madruga/APP-Sindicato Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress, Fernando Frazão/Ag. Brasil; Paulo Lisboa/Brazil Photo Press; Ed Ferreira/DPA/ZUMAPRESS.com; Rafael Hupsel/Ag. Istoé

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

PROTESTO DOS TRANSPORTES, GOVERNO ENDURECE E MANDA MULTAR



ZERO HORA 27 de fevereiro de 2015 | N° 18086

GUILHERME MAZUI RBS BRASÍLIA

RODOVIAS ECO DOS PROTESTOS
. GOVERNO MANDA PRF MULTAR. ENDURECE O DISCURSO CONTRA CAMINHONEIROS paralisados com a cobrança de até R$ 10 mil por hora de quem continuar bloqueando estradas. Motoristas multados terão nomes enviados à Justiça paraa cobrança de valores pelo descumprimento das ordens judiciais


Depois de apresentar uma proposta ignorada por milhares de caminhoneiros, em especial no sul do Brasil, o governo federal reagiu com rigidez: anunciou multas de até R$ 10 mil por hora para cada motorista que mantiver os bloqueios nas estradas.

A medida foi comunicada ontem pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um dia após o Planalto negociar com líderes do movimento uma série de medidas para liberar as rodovias. Apesar de insistir que firmou um acordo – houve redução das barreiras em alguns Estados –, o governo reforça sua atuação judicial para evitar uma crise de desabastecimento.

Cardozo informou que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) vai multar os caminhoneiros parados nas estradas. A Advocacia-Geral da União (AGU) deve acelerar o registro das infrações de trânsito para identificar e cobrar nos tribunais multas de quem descumprir as ordens judiciais de desbloqueio. No caso judicial, as multas variam de R$ 5 mil a R$ 10 mil por motorista.

Firmes no discurso do acordo, assessores da presidente Dilma Rousseff admitem dificuldades e erros na negociação. O Planalto não estava preparado para a eclosão dos bloqueios, demorou a reagir e ainda carece de interlocutores com um movimento marcado por lideranças pulverizadas. Persiste o temor de que se consolide o discurso que vincula a alta dos combustíveis à corrupção na Petrobras.

Na quarta-feira, depois de mapear sem sucesso os principais nomes das paralisações, negociaram ministros, empresários e caminhoneiros. Da conversa saiu a proposta de conceder um ano de carência nos financiamentos de caminhões em programas federais, criar uma mesa para debater um valor referencial para o frete e sancionar sem vetos a Lei dos Caminhoneiros, que isenta de pedágio veículos vazios e estende a jornada de trabalho. As ações serão efetivadas com o final dos bloqueios.

A concordância anunciada foi firmada por 11 representantes de sindicatos e confederações, nenhum do Rio Grande do Sul ou Santa Catarina, Estados onde os bloqueios se intensificaram. Assinaram membros de instituições nacionais e sindicatos de Goiás, São Paulo e Paraná, parte ligada ao PT.

– Juntaram só os sindicatos amigos do PT e anunciaram um acordo que não existe – criticou Ivar Schmidt, do Comando Nacional do Transporte, que não endossou a ata e promete manter os bloqueios.

Além de Ivar, o comando é formado pelos caminhoneiros Márcio José Correa e Celso Dalbosco. O WhatsApp virou ferramenta para bloquear rodovias. Em gabinetes de deputados ou na tentativa de uma agenda no Planalto, eles passaram a quinta-feira em contato com colegas parados pelo Brasil.

Sem disposição para reduzir o preço do diesel, a equipe de Dilma mira no preço do frete a melhor maneira para acalmar os ânimos. Em 10 de março, o governo mediará uma primeira reunião entre empresas e caminhoneiros para estabelecer uma referência de valor.




Lei na contramão

A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) criticou a decisão do governo de sancionar sem vetos a Lei dos Caminhoneiros, na tentativa de colocar fim à mobilização da categoria. Para a entidade que representa as concessionárias de rodovias, se aprovada como passou pelo Congresso, a lei vai gerar “estradas com mais acidentes, pedágios mais caros, fretes mais elevados e aumento dos preços dos produtos transportados”. Sobre a liberação de pedágio para caminhões vazios ou com um eixo suspenso, a ABCR afirma que provocará alta da tarifa para todos os usuários, “como forma de manter viabilidade das concessões de rodovias”.




Passeata pacífica

Insatisfeitos com o acordo encaminhado com o governo federal, cerca de cem caminhoneiros autônomos fizeram uma passeata pacífica no início da tarde de ontem no cais do porto de Santos. O protesto foi organizado pelo sindicato local da categoria, que afirma não ter apoiado um provável entendimento com o governo federal.

Em São Paulo, na Ceagesp, maior entreposto de hortigranjeiros da América do Sul, parte das mercadorias, especialmente frutas de outros Estados, tem chegado com atraso aos atacadistas. Os problemas também afastaram os consumidores. Vendedores e carregadores reclamaram do movimento fraco durante o dia de ontem.


Sem acordo, movimento ganha força em rodovias no Estado

JOANA COLUSSI


No dia em que havia a expectativa de fim dos protestos de caminhoneiros no país, após o governo apresentar propostas à categoria, a mobilização ganhou força no Estado. Tradicional ponto de concentração de caminhoneiros, Três Cachoeiras, no Litoral Norte, protagonizou a resistência dos motoristas em voltar às estradas após o aumento do preço do óleo diesel e do custo do transporte. Sem acordo para liberar o tráfego de caminhões na BR-101, mais de 4 mil caminhoneiros seguiam concentrados às margens da rodovia e dentro da cidade de 11 mil habitantes.

Desde terça-feira, veículos de carga ocupam o acostamento e uma das faixas, liberando apenas a passagem de carros de passeio, ônibus e cargas hospitalares. Ontem pela manhã, após decisão judicial, motoristas foram avisados de que teriam de desocupar as margens da rodovia, sob pena de serem multados. Quando os primeiros caminhões tentaram sair, manifestantes impediram a passagem no quilômetro 25 da rodovia, entrando em conflito com agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

– Tentamos um acordo para liberarem os caminhoneiros que quisessem seguir viagem, mas não tivemos sucesso – disse Alexandre Boff Bergamaschi, chefe da 3ª Delegacia da PRF.

Sem a identificação de líderes, a manifestação foi mantida por caminhoneiros que afirmam não fazer parte de sindicato e estarem unidos em defesa da categoria.

– Vamos continuar na luta, a nossa causa é justa, não temos condições de continuar na estrada desse jeito – reclama Tadeu Américo, 53 anos, de Sombrio (SC).

Para dar apoio à PRF, a Força Nacional de Segurança Pública deslocou equipe para o Rio Grande do Sul. Até ontem à noite, a PRF não havia solicitado intervenção da tropa, e a rodovia seguia com quilômetros de congestionamento no sentido para Porto Alegre.

Conhecida como a cidade dos caminhoneiros, Três Cachoeiras está acostumada com protestos de motoristas e reforça a paralisação com ajuda de moradores. Ao meio- dia e à noite, a prefeitura garantiu alimentação aos motoristas no salão paroquial. Banheiros públicos e de casas foram oferecidos para caminhoneiros e familiares. A segurança na cidade foi reforçada por oito viaturas da Brigada Militar deslocadas da Capital.

Conforme levantamento do fim da tarde de ontem, havia concentrações em 60 pontos de rodovias federais e estaduais no Estado.

Três Cachoeiras


AÇÃO E REAÇÃO
MULTA
Será aplicada multa de R$ 5 mil a R$ 10 mil por hora para cada caminhoneiro que tiver seu caminhão em situação irregular nas estradas.
INQUÉRITO
Conforme o Ministério da Justiça, serão investigadas denúncias de que empresários incentivam o movimento.
REAÇÃO
O Comando Nacional do Transporte registrou nota no Planalto lamentando a criminalização do movimento. “Não é aplicando multas que as coisas vão se resolver”, informa o documento.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

DIESEL EMPERRA NEGOCIAÇÃO



ZERO HORA 26 de fevereiro de 2015 | N° 18085


RODRIGO SACCONE* RBS BRASÍLIA


RODOVIAS CAMINHÕES PARADOS. GOVERNO FEDERAL ATENDE DOIS PEDIDOS de caminhoneiros para tentar encerrar movimento de protesto, mas não reduz valor do combustível, o que dificulta entendimento em reunião ontem



Após um dia intenso de negociações com caminhoneiros, o governo federal apresentou propostas (veja quadro) para encerrar os bloqueios de rodovias no país. A principal reivindicação dos motoristas autônomos – a redução do preço do diesel –, no entanto, não será atendida. A negativa praticamente emperrou entendimento que poderia resultar no fim das manifestações. Foi dada a garantia de que a Petrobras não aumentará o combustível nos próximos seis meses.

Valdemar Raupp, presidente da cooperativa dos caminhoneiros de Três Cachoeiras, disse que as propostas não atendem as demandas e os bloqueios serão mantidos no Estado. Participantes da reunião saíram do encontro com o entendimento de que até pode haver acordo com grandes sindicatos, mas sem o apoio de autônomos, que encabeçam o protesto.

À frente do Comando Nacional dos Transportes, o caminhoneiro Ivar Schmidt não foi autorizado a entrar na reunião. Um dos líderes do movimento, Schmidt, radicado no Rio Grande do Norte, considerou as medidas “sem peso” para encerrar os protestos:

– A paralisação continua – disse.

Sobre pedágios, o governo oferece que caminhões vazios e com o eixo suspenso fiquem isentos da cobrança. Apesar de não pretender intervir no valor dos fretes, o Planalto informou que tentará mediar a criação de uma tabela de valores.

Apresentadas pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Miguel Rossetto, que conduziu o dia de reuniões em Brasília, as medidas só entram em vigor se houver o fim dos bloqueios:

– Interessa aos caminhoneiros e ao país a suspensão das manifestações para continuarmos o diálogo.

*Com agências de notícias


Efeito imediato em estoques e preços

Além dos transtornos nas estradas, os gaúchos já começaram a ver o efeito da paralisação dos caminhoneiros nos postos de combustíveis e nos supermercados. Em diferentes municípios, há falta de gasolina. Supermercados no Interior apresentam gôndolas e prateleiras vazias, e hortigranjeiros que chegaram estão mais caros.

A paralisação representa um aumento no custo do transporte. Um caminhão carregado de frutas e legumes saiu de São Paulo ontem para abastecer o box de Célio Veronese na Ceasa de Caxias do Sul. Se chegar no prazo, o motorista receberá um bônus. Mesmo assim, traz 20% menos produtos: de 50 itens da lista, conseguiu carregar apenas 40.


UMA DIREÇÃO, MUITOS CONDUTORES

MARCELO GONZATTO

O protesto de caminhoneiros que interrompe estradas, paralisa indústrias e provoca desabastecimento pelo país guarda semelhanças com o movimento que sacudiu o Brasil em junho de 2013.

A onda de bloqueios nas rodovias se agigantou sem o protagonismo de sindicatos expressivos, a exemplo das marchas que tomaram as ruas há quase dois anos. De seis entidades nacionais da categoria ouvidas por Zero Hora, nenhuma afirmou liderar a organização.

O vice-presidente da Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (Fecam), André Costa, diz que tomou conhecimento das mobilizações quando ganharam força no Mato Grosso, depois viu se espalharem por outros Estados até pipocarem no RS com líderes locais e quase sempre anônimos.

– Não há uma organização clara. Por isso, a situação é preocupante, mas era uma tragédia anunciada – desabafa Costa.

Entidades de cunho local, como o Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de Ijuí, têm relação mais próxima com os protestos.

– Quando eclodiu, fui para a pista junto do movimento, mas não fomos nós que organizamos. Em cada cidade, alguns motoristas decidem quando e onde vão parar – afirma o presidente do sindicato de Ijuí, Carlos Dahmer, que troca informações com colegas de São Sepé, Santa Rosa e Uruguaiana.

Por telefone e redes sociais, atividades são organizadas quase que em tempo real em todo o país.

Assim como ocorreu em junho de 2013, grupos tentam fazer uso político das ações. Na página de caminhoneiros do Espírito Santo no Facebook, uma das principais bandeiras é a saída de Dilma Rousseff do governo – o que não integra a pauta da categoria. Membros do Movimento Brasil Livre divulgam fotos em bloqueios nas estradas pedindo que Dilma deixe o cargo.

Um dos principais líderes de protestos da categoria no passado e atual presidente do Movimento União Brasil Caminhoneiro, Nélio Botelho defendeu voto em Aécio Neves na eleição passada. Porém, preferiu não encampar a interrupção das estradas neste momento:

– O bloqueio das rodovias coloca o usuário contra nós. Só deve ser utilizado quando não há mais qualquer solução.



Entidades de classe sem protagonismo

TAÍS SEIBT | Tabaí

O bloqueio de ontem no quilômetro 385 da BR-386, em Tabaí, que ainda não havia registrado protestos, refletia a descentralização na liderança e aticulação do movimento. Por trás da aparente organização do grupo com cerca de 20 caminhões, que já projeta uma nova ação para a manhã de hoje, na entrada do polo petroquímico, não há um sindicato ou associação. A maioria dos motoristas que conversaram com a reportagem afirma não pertencer a qualquer entidade de classe.

A combinação foi basicamente por telefone: um ligou para o outro, que chamou mais um e assim por diante. Uma vez na estrada, a fila de caminhões foi aumentando espontaneamente, conforme colegas de outras regiões foram chegando. O grupo decidiu liberar o trânsito de veículos de carga a cada meia hora, os demais tinham passagem livre em meia-pista.

O dinheiro para as faixas foi arrecadado numa vaquinha. Para amenizar o calor, garrafas de água gelada foram compradas com dinheiro doado por vizinhos da comunidade – o motorista de um Mercedes largou R$ 100 na mão de um deles de manhã cedo, para ajudar com comida e água.

O mesmo se repete em Muçum, onde a ERS-129, no trevo de acesso ao município do Vale do Taquari, tem tido bloqueios há três dias. Tamir Azevedo, 35 anos, de Encantado, fica sabendo dos pontos de manifestação – inclusive fora do Estado – pelas publicações de colegas no Facebook. Jean Cleber Artico, 35 anos, de Paraí, usa o mesmo meio. Ontem, saiu às 3h de casa para carregar o caminhão de brita e foi direto para a fila. Formado em Ciências Contábeis, ele justifica a decisão com números:

– Para transportar grão de Passo Fundo a Nova Bassano, cerca de 100 quilômetros, a empresa queria me pagar R$ 19 a tonelada. Carrego 15 toneladas no meu caminhão, são R$ 285. Com o diesel a esse preço, ida e volta, gasto isso só no combustível, sem contar pneu, pedágio, seguro (veja a planilha).

O almoço do grupo foi ao redor de uma churrasqueira na beira da via – “salsipão”, servido pela Associação de Motoristas de Muçum. Embora tenham fornecido comida e bebida aos manifestantes desde o primeiro dia de protesto, os líderes da associação evitam a posição de organizadores do movimento.



NA MESA
Propostas do Palácio do Planalto apresentadas na reunião com empresários e caminhoneiros
-Sanção sem vetos da Lei dos Caminhoneiros. O projeto prevê a isenção de pedágio para quem estiver com o caminhão vazio. A legislação também permite que a jornada de trabalho dos caminhoneiros seja de 12 horas diárias.
-Um ano de carência para o pagamento dos contratos de financiamentos firmados em programas do governo, como o Pro-Caminhoneiro, para aquisição de caminhões.
-Mesa de negociação entre empresas e caminhoneiros para a criação de uma tabela com valores mínimos para o frete.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

O BRASIL TEM JEITO?



ZERO HORA 01 de fevereiro de 2015 | N° 18060


INFORME ESPECIAL | Fábio Prikladnicki - INTERINO


TEM JEITO?




Nunca antes na história, reclamou-se tanto do país nas redes sociais. Facebook e Twitter refletem um sentimento de impotência de parte significativa da população. São pessoas que trabalham duro para viver e que estão, cada vez mais, insatisfeitas com nossos representantes no poder. Um pouco mais à direita, um pouco mais à esquerda, tanto faz. Tudo isso leva ao velho chavão de que o Brasil não tem jeito. Será?

Esse sentimento de impotência está proeminente nestas primeiras semanas de 2015 porque estamos vendo saírem do armário os esqueletos que foram trancafiados a sete chaves até o ano passado para não prejudicar as eleições. O sentimento, claro, é de termos sido enganados.

Racionamento de luz e água. Impostos aumentando. A inflação ali, à espreita. E quem paga a conta, como sempre, é a população. Aqui no Estado, os três poderes tiveram reajustes de salário. O ato elogiável do governador e do vice em recusarem depois seus próprios aumentos não ameniza muito o rombo nas contas públicas e a conclusão de que os privilégios do poder estão imunes à crise. Enquanto isso, seguimos constatando, com frustração, o preço dos alimentos, da gasolina, dos aluguéis.

A vontade é de sair às ruas para protestar. Mas, quando ocorrem manifestações pacíficas para reivindicar direitos, uma parcela da população – a mesma que sofre com os desmandos – classifica os ativistas de vândalos. Está cada vez mais difícil entender esse tempo em que vivemos.