A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A VOZ DO POVO NAS RUAS NÃO ECOA NOS PODERES


ZERO HORA 09/06/2014 | 06h04

A voz das ruas. Poucos avanços após um ano de manifestações no país. Quase 12 meses depois de protestos começarem a sacudir o país, maioria das promessas não foi cumprida

por Marcelo Gonzatto



Capitais como Brasília (foto), Porto Alegre, Rio e São Paulo tentam repetir manifestações do ano passadoFoto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO CONTEÚDO


Quase um ano atrás, as ruas de capitais como Porto Alegre estavam tomadas de gente exigindo em gritos e cartazes as mais variadas reivindicações como transporte, educação e saúde de qualidade e o combate à corrupção.

Nas últimas semanas, quando a convocação de novos protestos vem tentando resgatar o espírito inconformista vivido em junho de 2013, restou uma constatação: a grande maioria das promessas feitas para acalmar as multidões desde o ano passado não foi cumprida. Em Porto Alegre, uma manifestação está sendo convocada para o dia de abertura da Copa diante da prefeitura.

Entre as dezenas de exigências que brotaram nas avenidas e os cinco pactos que a presidente Dilma Rousseff anunciou como resposta ao clamor popular, ZH selecionou oito das principais medidas que deveriam ter sido tomadas desde então (veja lista abaixo). Dessas, apenas uma poderia ser considerada plenamente atendida: a derrubada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que restringia o poder de investigação do Ministério Público e foi interpretada pelos manifestantes como um trampolim para a impunidade.

Outras ações, como a reforma política e a tentativa de tornar a corrupção crime hediondo, ganharam impulso aos empurrões do povo na rua. Tão logo as grandes avenidas esvaziaram, as propostas voltaram para o local onde costumam ficar até que as pressões populares despertem novas bravatas: a gaveta. A reforma política, trancada há anos no Congresso, voltou a sair da agenda. O projeto anticorrupção chegou a ser aprovado no Senado ainda sob o calor das mobilizações, mas esfriou logo em seguida e, no mês passado, foi retirado da pauta de votações da Câmara dos Deputados.

— Talvez uma nova manifestação como aquela seja necessária para fazer a proposta andar de novo — comenta um assessor parlamentar ligado ao Projeto de Lei 5900/2013.

Outros conjuntos de iniciativas, como melhorias em educação, saúde, transporte e economia registraram avanços bastante tímidos em comparação às expectativas mais otimistas. As medidas mais concretas envolveram a destinação de royalties do petróleo para educação e saúde, a ampliação do número de médicos em 3,8 mil cidades e a redução de encargos que encareciam as passagens de ônibus. A grande maioria dos projetos de mobilidade urbana que deveriam desafogar as cidades, porém, segue no papel: apenas 26% das 253 obras previstas para o período de 2011 a 2014 pelo PAC 2 estão em andamento ou já foram concluídas.

Por que, então, até o momento os protestos previstos não conseguiram retomar a indignação demonstrada há tão pouco tempo? Para o cientista político Benedito Tadeu Cesar, coordenador do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais, os protestos de junho apresentaram diversas particularidades: floresceram sem muita organização, se reforçaram com a repressão violenta praticada por policiais militares em Estados como São Paulo, ganharam ampla cobertura dos meios de comunicação e acabaram catalisando um sentimento de insatisfações latentes entre a população.

— As manifestações eclodiram daquela maneira por uma conjuntura do momento, havia um clima muito favorável para sair à rua, às vezes nem se sabia direito por que — avalia Cesar.

Justamente por não ter uma estrutura de organização bem definida, segundo o cientista político, o movimento não pode ser reproduzido facilmente. Além disso, quando os black blocs começaram a tomar conta das manifestações, as marchas perderam boa parte do engajamento da população.

— Vão ocorrer novas manifestações em função da Copa, promovidas pelo segmento relativamente organizado dos movimentos sociais, mas dificilmente tomará uma dimensão como a do ano passado, salvo algum fator como a grande repressão vista em 2013 — prevê Cesar.

O cientista político e coordenador do curso de Ciências Sociais da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Paulo Moura, avalia que os movimentos de junho "não conquistaram nada".

— As propostas do governo como a da reforma política foram feitas sem pensar, para agradar a multidão. O máximo que se conseguiu foi a redução nas passagens de ônibus. Os problemas continuam todos aí. O problema da educação, por exemplo, não é só de dinheiro, é de gestão — critica Moura.

O professor universitário não vê uma solução de curto prazo para a falta de eficiência do Estado brasileiro. Nem mesmo o retorno das mobilizações que fizeram o país tremer há menos de um ano.



Veja o que ocorreu com oito demandas dos protestos de junho. Apesar de diversas promessas, apenas uma das principais exigências dos manifestantes foi plenamente atendida em um ano

Desde que eclodiram as grandes manifestações, em junho de 2013, cobranças populares e promessas oficiais se multiplicaram. De oito demandas selecionadas por ZH, apenas uma foi atendida por completo.

Confira abaixo, um resumo do que ocorreu com cada uma.


O ANDAMENTO DAS REIVINDICAÇÕES

Foto: Félix Zucco/Agência RBS

Rigor contra a corrupção - Não cumprida

A reivindicação: combate à corrupção com punições muito mais rigorosas aos envolvidos em escândalos.
A promessa: a presidente Dilma defendeu o endurecimento do combate à desonestidade, assim como o Congresso. Um projeto de lei transformaria a corrupção em crime hediondo.
O que ocorreu: o Projeto de Lei 5900/2013, que estabelece a corrupção como crime hediondo, foi aprovada no Senado ainda sob o clamor das ruas. Desde então, o tema esfriou. Na Câmara, a proposta foi tirada da pauta do plenário em 8 de abril e aguarda votação.

Reforma política - Não cumprida

A reivindicação: alterar as regras da disputa política no país, tornando as eleições mais transparentes, equilibradas e menos sujeitas a delitos como o caixa 2 e a troca de favores com financiadores de campanha.
A promessa: a presidente efendeu um plebiscito para avaliar a convocação de uma Assembleia Constituinte específica para tratar da reforma política.
O que ocorreu: um dos maiores fracassos entre as respostas às mobilizações populares. A proposta do governo federal foi considerada até ilegal por políticos e juristas, considerando que uma Constituinte não poderia ser limitada a um único tema, e faltou apoio político para levar adiante qualquer mudança até o momento.

Investigação do Ministério Público - Cumprida

Foto: Fernando Frazão/ABr
A reivindicação: os manifestantes queriam derrubar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que pretendia limitar a possibilidade de o Ministério Público realizar investigações. Isso era visto como um estímulo à impunidade de corruptos.
A promessa: políticos se comprometeram a ouvir os gritos das ruas e derrubar a proposta no Congresso.
O que ocorreu: a PEC 37, apresentada em 2011, não resistiu à mobilização popular. Acabou derrubada com impressionantes 97% dos votos na Câmara dos Deputados.

Redução das passagens - Parcialmente cumprida

A reivindicação: a reivindicação que catalisou os protestos foi a redução significativa do valor das passagens de ônibus ou, até, a sua gratuidade.
A promessa: governos de diferentes esferas se comprometeram a buscar saídas para diminuir o custo do transporte público para a população.
O que ocorreu: o governo federal desonerou as empresas de transporte público de PIS/Cofins . Em municípios como Porto Alegre, houve desoneração do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN). Na Capital, a passagem foi reduzida de R$ 3,05 para R$ 2,85, mas voltou a subir para R$ 2,95. A gratuidade não avançou.

Investimento em educação - Parcialmente cumprida

Foto: Juan Barreto/AFP
A reivindicação: melhorar os investimentos a fim de elevar o nível da educação brasileira e colocar o país em condição de disputa com países desenvolvidos.
A promessa: o governo federal defendeu a aprovação, no Congresso, de projeto que destinaria 100% dos royalties do petróleo à educação, além de intensificar ações de alfabetização, educação em tempo integral, ensino profissional, pesquisa e inovação.
O que ocorreu: foi aprovada lei destinando 75% dos royalties do petróleo para educação e 25% para a saúde em setembro. Conforme o Tesouro Nacional, R$ 394,4 milhões já foram destinados ao Ministério da Educação em 201. Porém, conforme o professor de Política Educacional da PUC de Minas Gerais Carlos Roberto Cury, o cumprimento integral das metas exige longo prazo.

Investimento em saúde - Parcialmente cumprida

Foto: Valter Campanato/ABr
A reivindicação: melhorar os investimentos com o objetivo de qualificar o atendimento prestado à população pelo SUS.
A promessa: em seus cinco pactos, a presidente Dilma prometeu ampliar a presença de médicos nas cidades, investir em novos hospitais, unidades de pronto atendimento, ampliar vagas em residências médicas e abater dívidas dos hospitais filantrópicos.
O que ocorreu: a saúde foi contemplada com parte dos recursos dos royalties do petróleo, e o orçamento do Ministério da Saúde passou de R$ 100 bilhões em 2013 para R$ 106 bilhões este ano. O Mais Médicos levou mais 14 mil profissionais a 3,8 mil cidades. Porém, ainda é pouco para uma evolução significativa no atendimento. A dívida dos hospitais filantrópicos, que respondem por metade do atendimento SUS no país, saltou de R$ 13 bilhões para R$ 15 bilhões devido à baixa remuneração dada pela União, conforme a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do país.

Responsabilidade fiscal - Parcialmente cumprida

A reivindicação: não era um tema popular das ruas, mas estava implícito na preocupação com os gastos públicos e acabou citado nos cinco pactos anunciados pela presidente Dilma.
A promessa: União, Estados e municípios se comprometeriam a investir sem desrespeitar o teto da responsabilidade fiscal, garantindo estabilidade econômica e controle da inflação.
O que ocorreu: segundo o professor de economia da UFRGS Flavio Fligenspan, a promessa é vaga e de difícil análise. A inflação oscila próximo do teto da meta do governo, de 6,5% ao ano. Pode-se considerar controlada em relação a essa meta, mas distante do que seria o ideal para o país - ao redor de 2% -, segundo o especialista.

Melhoria no transporte - Parcialmente cumprida

Foto: Félix Zucco/Agência RBS
A reivindicação: além de baixar o preço do transporte, a população exigia melhorias na qualidade e na oferta do serviço a fim de torná-lo mais eficiente e atrativo.
A promessa: o governo federal se comprometeu a investir mais R$ 50 bilhões em mobilidade urbana e criar o Conselho Nacional do Transporte Público.
O que ocorreu: dos R$ 50 bilhões, R$ 29 bilhões foram anunciados até agora para financiar projetos. Das 211 iniciativas previstas, conforme o Ministério das Cidades, apenas 21% iniciaram o processo que permite a realização de licitação. Das obras de mobilidade urbana previstas no PAC2, 26% saíram do papel até o momento.

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