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segunda-feira, 5 de maio de 2014

O POVO SUMIU

ZERO HORA 05/05/2014 | 15h26

Bloco de Luta tenta retomar o apoio popular em Porto Alegre. Participação da população não aumentou mesmo com o desaparecimento dos vândalos em protestos recentes




No final de abril, manifestantes pediram a participação de moradores na Avenida Borges de MedeirosFoto: Mauro Vieira / Agencia RBS


Passado quase um ano dos protestos de junho de 2013, o público das manifestações minguou em Porto Alegre. Organizador das marchas que sacudiam a Capital ainda antes de as manifestações se espalharem pelo Brasil naquele mês, o Bloco de Luta pelo Transporte Público sentiu o recente sumiço do povo. Agora, com a proximidade da Copa, o quer de volta às ruas.

A convocação foi feita na noite 24 de abril deste ano. As luzes piscavam nos apartamentos da Avenida Borges de Medeiros, uma das principais do centro de Porto Alegre, em resposta ao chamado que vinha da rua. Os moradores estavam sendo convocados pelos manifestantes do Bloco de Luta. Os cânticos de "quem apoia pisca a luz" voltavam a ser entoados quase um ano depois das jornadas de junho de 2013, quando milhões de pessoas ocuparam as ruas de diversas cidades do país, sob as mais variadas vindícias.

Naquela época, as luzes acendiam e apagavam, intermitentes, nos prédios da Borges, da João Pessoa e de outras vias enquanto milhares marchavam e, horas depois, vidraças de bancos eram quebradas e ônibus, incendiados. No dia 24, porém, apenas um punhado de manifestantes do Bloco atravessou a Borges. Quando se esperava que a proximidade da Copa atrairia multidões cada vez maiores, o contrário ocorreu. O povo debandou dos protestos em Porto Alegre.

Do apoio, alguns participantes passaram ao repúdio. Ao longo dos últimos meses, foi comum encontrar comentários assim no perfil do Bloco no Facebook e nas postagens na rede social de matérias de Zero Hora sobre as manifestações:

— Enquanto tiver vandalismo, não participo dos protestos.

Não houve vandalismo na marcha de 24 de abril. Os integrantes do Bloco aproveitaram o rumo pacífico e chamaram os moradores. "Quem apoia pisca a luz." Algumas lâmpadas bruxulearam.

Jornalista e relações-públicas, integrante do movimento Juntos e participante do Bloco, Gabi Tolotti garante que não existe orientação para que manifestantes seguidores da tática black bloc — constantemente apontados como os responsáveis por quebra-quebras — parem com o vandalismo para trazer o povo de volta às ruas. Há, afirma Gabi, outra tática de reaproximação da população. Ações "descentralizadas", como a coleta de assinaturas para projeto de encampação das empresas de ônibus pela prefeitura, são um exemplo de estratégia. As panfletagens também se multiplicam. Assim como muitos de seus companheiros do Bloco, Gabi defende a mobilização de massas.

— Uma passeata bonita, que chame a atenção, ganha muito mais porque as pessoas querem fazer parte disso. Não concordo com essa linha (de praticar vandalismo). Se a pessoa fica com medo do que está acontecendo, ela se afasta. Esses atos nos isolam da população — observa.

Gabi comenta que não tem como um levante durar dois anos, "senão seria uma revolução". O desgaste também atingiu os manifestantes organizados. Integrantes do Bloco dedicaram boa parte de suas vidas ao movimento durante todo o ano passado. Uma parcela expressiva do grupo é formada por estudantes, e há quem tenha perdido muitas aulas, só para citar um exemplo de prejuízo.

Uma esperança de retomada é o 15M, uma ação nacional que deverá tomar corpo no próximo dia 15 e tem o objetivo de ser uma segunda fase das jornadas de junho, com o peso de ser às vésperas da Copa.

Na ótica de Matheus Gomes, do PSTU — um dos partidos que compõem o Bloco de Luta —, o maior prejuízo foi causado pela repressão ao movimento. Gomes é um dos indiciados pela Polícia Civil por distúrbios em protestos. Ele teve a sua residência vasculhada por agentes em busca de provas.

— O governo apostou desde o início do ano em uma ofensiva de repressão ao movimento, acompanhada de uma propaganda que tentava criminalizar os manifestantes. Isso, em um primeiro momento, está gerando um refluxo nas mobilizações de rua. Mas o que o governo está fazendo tem um limite. A gente sabe que foi a repressão ao movimento em São Paulo que incentivou as pessoas a irem para as ruas no ano passado — afirma.

Pode estar faltando capacidade de articulação, diz especialista

Diferentemente de movimentos que vigoraram até os anos 90, liderados por uma vanguarda sindicalista, estudantil ou partidária, os protestos de agora têm se organizado em rede e sem comando aparente, explica o jornalista Felipe de Oliveira, especialista em movimentos sociais e doutorando em Ciências da Comunicação. No momento, o que tem contribuído para o esvaziamento dos protestos, analisa Oliveira, é uma falta de capacidade de articulação nessa rede.

Enquanto no ano passado a aglutinação em torno do repúdio ao aumento das passagens vingou nesse formato, depois se desdobrando em novas reivindicações, hoje o questionamento à Copa — uma das principais bandeiras das manifestações — parece não estar comovendo a população. Para Oliveira, falta uma primeira pauta concreta que induza a indignação nas pessoas e, a partir dela, saiam às ruas com as suas várias reivindicações.

— A Copa é como se fosse uma pauta que não toca concretamente as pessoas. É como se eu soubesse que há problemas na saúde e na educação, mas não os relaciono aos investimentos para a Copa. Isso torna mais difícil a articulação em rede — argumenta.

Historiador compara com ditadura e Diretas Já

O historiador Voltaire Schilling compara o panorama atual ao período da ditadura militar e ao movimento das Diretas Já, dos quais participou ativamente. As bandeiras eram claras e abrangentes, como recuperar o direito de votar. À qual ele contrapõe a reivindicação-base de 2013, a tarifa de ônibus. No ano passado, a passagem foi reduzida de R$ 3,05 para o preço de 2012, R$ 2,85, na capital gaúcha. No entanto, apesar de parecer uma luta por migalha na comparação com as Diretas Já, os 20 centavos viraram bordão ("Não é só pelos 20 centavos") e incentivaram outras demandas — saúde, educação, habitação, igualdade racial e de gênero e até pelos direitos dos animais. E o povo encampou o movimento em 2013.

No último aumento, as passagens de ônibus em Porto Alegre subiram de R$ 2,80 para R$ 2,95, no início de abril. Menos do que os famosos 20 centavos. Mas sabe-se que, se as massas outra vez saírem de suas casas, não será somente pelos 15 centavos.

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