A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sábado, 30 de novembro de 2013

A NOVA TFP

REVISTA ISTO É N° Edição: 2298 | 29.Nov.13


Famosa pelo ultraconservadorismo e pelas manifestações contra o divórcio e o comunismo, a Tradição, Família e Propriedade hoje está voltada apenas para a religião e seu controle é disputado na Justiça


Quando se fala na Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, mais conhecida como a TFP, a imagem que vem à mente é a de uma instituição conservadora, defensora de posições políticas à direita, com um viés religioso e avessa a mudanças. Trata-se de uma imagem condizente com a realidade, pelo menos até quase 20 anos atrás. Sob as orientações de seu fundador, o advogado paulistano Plinio Corrêa de Oliveira, a sociedade se manifestava publicamente, fazia barulho com suas opiniões reacionárias e tomava as ruas empunhando megafones e seu estandarte, no qual reluzia um leão dourado, em marchas contra a reforma agrária, o divórcio, o aborto e o comunismo, entre outros temas. Em 1995, com a morte de seu fundador – chamado de Dr. Plinio pelos que comungam das ideias do quatrocentão paulistano –, a TFP passou por uma verdadeira revolução interna que acabou por redefinir seu perfil de atuação e expulsar membros mais antigos, numa briga que foi parar na Justiça. “Hoje, a nova TFP tem uma agenda prevalentemente religiosa”, diz Paulo Brito, um dos mais antigos, que, excluído, organizou com outros colegas de geração a Associação dos Fundadores. Sem vínculos com a atual TFP, a associação tenta reaver judicialmente o nome da entidade e ainda ocupa, como Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO), o majestoso casarão no bairro de Higienópolis, em São Paulo. “O engajamento e a agenda temporal, com campanhas públicas, por exemplo, acabaram”, lamenta.


NOVA DIREÇÃO
As marchas por causas conservadoras (acima) deram lugar à espiritualidade dos
“Arautos do Evangelho”, liderados pelo monsenhor João Clá (abaixo)




Os fundadores reunidos para comemorar o centenário
do nascimento de Plinio Corrêa de Oliveira

Para entender a revolução que deu origem à nova TFP é preciso voltar a 1995, pouco depois da morte de Oliveira, em 3 de outubro. Desde a sua fundação, a sociedade funcionou sob o comando de oito senhores chamados de fundadores. Únicos com direito a voto, eles determinavam, sozinhos, os rumos da organização e nunca encontraram grande resistência. No entanto, com a expansão da TFP e a efervescência política no País a partir de 1989, um grupo crescente de membros começou a manifestar desconforto com a concentração de poder dos fundadores. O pleito dos reformistas era por uma mudança no estatuto, que poderia vir a dar direito de voto a mais membros e fazer da instituição um lugar mais democrático. Mas, embora presente em meados dos anos 1990, a causa pela democratização da TFP ainda era pouco popular. A impressão geral era de que, enquanto Oliveira estivesse vivo, pouco mudaria. “Mas quando o Dr. Plinio morreu, os dissidentes passaram a se articular melhor e mostraram ter um líder, o monsenhor João Scognamiglio Clá Dias”, afirma Frederico Viotti, advogado e membro da Associação de Fundadores.

“Hoje, a nova TFP tem uma agenda prevalentemente religiosa.
O engajamento temporal acabou”
Paulo Brito, da Associação dos Fundadores

O monsenhor João Clá foi, durante quase três décadas, o braço direito de Oliveira. Figura carismática e por vezes colérica, ele destoava da maioria dos membros da TFP por ser religioso, e não leigo, e chamava a atenção pelo traquejo que tinha com jovens, além de uma confiança quase cega do idealizador da entidade. O monsenhor João Clá chegou a escrever a biografia da mãe de Oliveira e trabalhava com ardor e dedicação raros, exercendo sua liderança. “Um traidor”, resumem os fundadores. Segundo eles, foi sob a batuta do monsenhor João Clá que, em 1997, os reformistas, conhecidos como dissidentes, levaram a disputa pelo controle da TFP à Justiça. Alegando que uma sociedade civil não pode ser administrada sem a consulta de seus membros, eles pediram a mudança no estatuto da sociedade para ter direito a voto. Embora tenham perdido em primeira instância, em 1998, conquistaram, de forma plena, a posse da sigla TFP em 2004, além de bens e de sua diretoria. Vencida, a velha guarda saiu da sociedade e criou a Associação dos Fundadores, também em 2004. O processo hoje aguarda decisão final do Supremo Tribunal Federal.


DISSIDÊNCIA
Frederico Viotti luta pelo retorno dos fundadores,
expulsos da TFP pelos dissidentes em 2004

O que se viu desde que os dissidentes assumiram a TFP foi, na prática, uma refundação da sociedade sob um projeto novo e, aparentemente, sem grandes ambições expansionistas. As atividades classificadas como “temporais”, ou não religiosas, do grupo foram sendo reduzidas gradualmente. Palestras, jornadas, círculos de estudo, caravanas, campanhas e marchas – as grandes ferramentas do projeto original da TFP, que era de atuar publicamente em defesa de suas crenças – deram lugar à oração e à vivência da fé pura e de forma quase exclusivamente meditativa. Para os fundadores, foi um esvaziamento consciente e proposital da TFP pelas novas lideranças, em especial pelo monsenhor João Clá, que, segundo os mais antigos, teria como objetivo extinguir a sociedade. Já para os dissidentes, nada mais era que uma adequação de missão aos novos tempos. Como o comunismo, a reforma agrária e até o divórcio se tornaram temas de certa forma superados, era natural que o foco mudasse e, no caso da TFP, voltasse para a religiosidade.

Os rumos seguidos por João Clá dentro e fora da TFP depois da disputa com os fundadores ilustram isso. Foi ele, por exemplo, quem criou, quatro anos depois da morte de Oliveira, os “Arautos do Evangelho”, uma associação privada de fiéis de direito pontifício – subscrita, portanto, ao papa. Enquanto na TFP original a tríade era tradição, família e propriedade, e nunca se buscou reconhecimento do Vaticano, nos “Arautos” as máximas eram e ainda são o papa, Maria e a Eucaristia. João Clá parece ter predileção pelo projeto dos “Arautos”, que, nos últimos anos, expandiram sua base de membros e hoje estão em 78 países de cinco continentes. Nesse período, por sua vez, nem o site da TFP era atualizado. Em visita à seção “Galeria de fotos” da página da sociedade ainda no ar, se percebe que, entre as quatro imagens disponíveis, três são de mais de 20 anos atrás. “Houve uma nítida mudança de foco e a TFP, hoje, vive abandonada”, diz Viotti.


TEMPOS ÁUREOS
Sob Plinio Corrêa de Oliveira (acima), a TFP, com sede em casarão
no bairro de Higienópolis, em São Paulo (abaixo), viveu seu auge



De fato, a nova TFP não é nem sombra do que já foi. Embora com bens valiosos, como terrenos e alguns imóveis, além de um estruturado serviço de mailing que distribui medalhas e recolhe donativos, a entidade perdeu relevância e deixou de ser referência na agenda conservadora do País. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal reverta as decisões de segunda e terceira instâncias favoráveis aos dissidentes e devolva a instituição aos fundadores, é difícil imaginar que ela volte a ser a influente TFP de antigamente. Dos oito membros originais, seis estão vivos, todos com mais de 80 anos. Será um imenso desafio fazer seu discurso reacionário encontrar eco na juventude do século XXI.





Fotos:Jjoão Wainer/Folhapress; PAULO PINTO/AE; Joel Silva/Folhapress: kelsen Fernandes/Ag. Istoé; Juan Esteves/Folhapress; BIO BARREIRA


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