A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

ATIVISTAS DESOCUPAM A CÂMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE


ZERO HORA 19 de julho de 2013 | N° 17496

O FUTURO DA TARIFA. Depois da desocupação



Um dos pilares do acordo que resultou na desocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre depende agora da prefeitura.

Como a Constituição não permite a criação, pelo Legislativo, de leis que onerem o Executivo, a proposta dos manifestantes para a criação do passe livre foi encaminhada ontem ao prefeito José Fortunati.

Segundo o presidente da Câmara, vereador Thiago Duarte (PDT), que enviou o texto como sugestão ao chefe do Executivo, o projeto teria “vício de origem” se partisse da Câmara. Agora, para que se transforme em lei, o texto – que prevê isenção de passagem a estudantes de todos os níveis, desempregados, quilombolas e indígenas – precisará, necessariamente, partir das mãos de Fortunati.

– A bola está toda com o prefeito – diz o presidente da Câmara.

ZH tentou contato com Fortunati entre 18h e 22h de ontem e não obteve sucesso. A segunda proposição dos manifestantes, um projeto de lei que, entre outras coisas, prevê a publicação das planilhas de custos do transporte urbano na Capital, deverá tramitar na Câmara em regime de urgência. Antes de ir a plenário, a proposta passa por análise da Comissão de Constituição de Justiça. O vereador Pedro Ruas (PSOL) acredita que o texto poderá ser aprovado até meados de agosto, cerca de duas semanas depois da volta do recesso parlamentar, que se encerra no dia 31.

– É óbvia a necessidade do projeto. Esse considero aprovado – diz Ruas.

Após oito dias, os manifestantes que ocupavam a Câmara deixaram o local ontem pela manhã, conforme acordo firmado entre representantes do Bloco de Luta Pelo Transporte Público e vereadores. A desocupação começou na noite de quarta-feira, quando metade do grupo deixou o plenário.

Os projetos elaborados pelo Bloco de Luta foram protocolados na Câmara por integrantes do grupo e pelas vereadoras Sofia Cavedon (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL). Uma comitiva, formada pela juíza Cristina Marquesan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, promotores, vereadores e manifestantes, acompanhou vistoria realizada por um oficial de justiça.

Apesar de o tema ser praticamente unânime entre os parlamentares, o projeto que prevê maior transparência sobre os custos do transporte pode virar centro de outra polêmica. Indignado com a invasão da Câmara, que considerou “criminosa, vergonhosa, um acinte ao parlamento e à democracia”, o vereador Valter Nagelstein (PMDB) não aceita a colocação em pauta do projeto de autoria dos manifestantes em regime de urgência.

– Tenho um projeto anterior. Eles não querem perder o protagonismo. Vou exigir que o meu projeto seja apreciado primeiro – afirma.

Sobre a ocupação, o presidente da Câmara afirma que a maioria dos vereadores está “chateada”, especialmente com a “violação” do plenário:

– O plenário é sagrado desde o Império Romano e nunca mais será o mesmo. Essa invasão fará com que a relação entre os vereadores nunca mais seja a mesma. Se quebrou a relação de confiança entre os parlamentares.

MARCELO MONTEIRO



Antes da saída, protesto sem roupa



Horas antes de deixarem a Câmara da Capital, jovens que ocupavam o prédio posaram, sem roupas, para fotografias, em frente aos quadros com os rostos de vereadores e no plenário da Casa. Vinte e dois homens e mulheres acenam para as câmeras de telefones celulares de colegas.

De cueca, um manifestante, deitado no chão, segura um quadro com o retrato da ex-vereadora e hoje deputada federal Manuela D’Ávila (PC do B). Na parede, as fotos do ex-vereador e atual prefeito da Capital, José Fortunati (PDT), e dos vereadores e ex-vereadores Sebastião Melo (PMDB), Margarete Moraes (PT), Guilherme Villela (PP) e João Dib (PP) estão de cabeça para baixo.

Em outra foto, o grupo sem roupa aparece em círculo, abraçado. O mesmo acontece no plenário da Casa, onde eles aparecem seminus.

No Facebook, as fotos foram tão comentadas como a saída determinada em audiência de conciliação entre os vereadores e o Bloco de Luta Pelo Transporte Público. “Foto simbólica da ocupação!”, lia-se na descrição de um álbum com quatro imagens. “Muito bom, quero ainda fazer um protesto assim, tô tomando coragem, rsrsrs, assim não tem armas, não tem vinagre e as polícia (sic) não podem fazer nada”, dizia um dos comentários.

Professor de Ciências Políticas da UFRGS, Rodrigo Gonzalez acredita que os ativistas não mediram as consequências do ato. Para ele, a ideia de se despir e se deixar fotografar tira o foco da ocupação e dos objetivos políticos do movimento – como o passe livre.

– Quem tira a roupa diante das câmeras, obviamente, quer chamar a atenção. É muito mais um comportamento juvenil, para não dizer infantil, do que propriamente algum tipo de manifestação política mais completa. Ao fazê-lo, as pessoas não se dão conta de que isso tira o foco do objetivo inicial da ocupação – avalia Gonzalez.

Professor de teorias sociológicas e políticas na Unisinos, José Luiz Bica de Melo avalia o fato como algo deslocado da discussão política, que não contribui para a convivência democrática:

– Não vejo como uma questão propriamente de moralidade. Essa forma não é uma atitude política. Ela é uma atitude que não contribui sob nenhum aspecto.

A professora de Ciência Política Céli Pinto, da UFRGS, avalia que a repercussão em torno do episódio foi exagerada. Segundo ela, os críticos dos manifestantes “estão fazendo tempestade em copo d’água”:

– Acho que é puro moralismo. O que há de tão chocante no corpo humano? É um corpo que todo mundo tem.




ARTIGOS - A força das ruas, por Matheus Gomes*

Desocupamos a Câmara de Vereadores depois de protocolarmos dois projetos de lei, um a ser encaminhado para o Executivo e outro que tramitará na Casa. O primeiro projeto visa instituir o passe livre no sistema de transporte coletivo por ônibus em Porto Alegre para estudantes, desempregados, indígenas e quilombolas. O segundo visa instituir a abertura e a transparência das contas relativas ao transporte urbano municipal. Ambas as pautas são justas, legítimas e possíveis de serem implementadas.

Há meses estamos discutindo a questão do transporte público em nossa capital. No início do ano, o Bloco de Luta se reorganizou para protestar contra os já previsíveis aumentos da tarifa de ônibus. Todo ano a história se repetia: era só o Carnaval se aproximar que as empresas enviavam suas planilhas para o Comtu, solicitando reajuste da tarifa. Este homologava o pedido e a Prefeitura sancionava. O trabalhador dormia pagando um preço e acordava pagando outro.

Nesse ano, graças às mobilizações da juventude, dos trabalhadores rodoviários e às investigações feitas pelo Tribunal de Contas do Estado, a história foi diferente. Porém, não só foi possível revogar o aumento como também se abriu um debate público na capital gaúcha: a possibilidade de termos, como em muitas cidades pelo mundo, o passe livre. O que era antes um devaneio começou a tornar-se realidade graças à mobilização da juventude que tomou o Brasil nos meses de junho e julho.

Jovens saíram às ruas por todo o país para questionar os governos, os megaeventos esportivos e reivindicar direitos sociais. Nossa mobilização, que na Câmara teve mais uma vitória, almeja conquistar melhorias nas condições de vida da juventude e da população trabalhadora. Dependemos do transporte para estudar, trabalhar e ter lazer, por isso é fundamental que tenhamos políticas que permitam o acesso universal ao transporte. Entendemos que o transporte público, assim como a educação e a saúde, é um direito e não uma mercadoria. Por isso lutamos pelo passe livre! O projeto de lei irá para o Executivo, ou seja, as mobilizações voltam-se para o prefeito José Fortunati. Temos a certeza que somente a força das ruas irá garantir nossa vitória.

*Coordenador-geral do DCE-UFRGS e da Executiva Estadual da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre


ZERO HORA N° 17496

EDITORIAIS

A desocupação da Câmara

É positivo que a saída dos integrantes do Bloco de Luta pelo Passe Livre da Câmara Municipal tenha ocorrido por meio do diálogo, sem violência e depredações. Contribuiu para esse desfecho a mediação exercida pelo Judiciário e pelo Ministério Público Estadual. Sem a intervenção de magistrados e procuradores, que permitiu a realização de uma rodada de negociação na quarta-feira no Foro Central, teria sido mais difícil chegar ao acordo que possibilitou a retirada dos ativistas do prédio do parlamento e a retomada das atividades legislativas normais. De nada teria servido esse esforço, no entanto, se parlamentares e manifestantes não tivessem concordado em manter abertos os canais de contato mesmo nos momentos mais críticos do conflito. A desocupação do parlamento municipal não deve ser avaliada em termos de vencedores ou vencidos. Apesar das ressalvas, é ponto positivo para Porto Alegre que esta ação radical de movimentos sociais não tenha se encerrado de forma violenta, como poderia ter ocorrido caso não prevalecessem a paciência e o espírito conciliador.

Por conta de alguns excessos, porém, a irreverência dos jovens que ocuparam o parlamento deixou também um rastro de justificada indignação. Entre os atos injustificados dos manifestantes, está o gesto provocativo e inconsequente dos jovens que tiraram a roupa diante da galeria de ex-presidentes da Casa. Não precisava. Nem foi nada original: de Woodstock ao grupo pós-feminista Femen, gerações de ativistas recorreram à nudez a fim de evidenciar que a política também é feita de corpos e de gestos. Mas os exibicionistas acabaram fazendo um gol contra. Ocorre que a melhoria do transporte público, bandeira que motivou a invasão da Câmara, é bandeira que interessa a toda a sociedade. Nem o mais ingênuo ativista pode imaginar que a visão de duas dezenas de corpos desnudos possa ser compreendida por todos os porto-alegrenses, especialmente pelos usuários de ônibus. Essa atitude prejudica o entendimento e as relações entre os manifestantes, o Legislativo e a sociedade e, por essa via, é prejudicial à democracia.


NAS REDES SOCIAIS - Como repercutiram as fotos:

Melhor um bando de jovens nus no plenário denunciando a vergonha que é o nosso Legislativo do que um bando de engravatados fingindo que está trabalhando enquanto se beneficia. Thiago Gomes Iessim

Atentado violento ao pudor, vão deixar assim, autoridades? Marcelo Lovato


Falta de respeito com os outros, não é assim que se protesta. Clarice Appelt

Acho isso uma piada. Assim não se protesta contra as coisas ruins dos governantes. Devemos ter educação para reivindicar o que o povo realmente necessita e quer. Protestos com honra e dignidade. Denaura Giacomelli

E viva a hipocrisia conservadora da sociedade gaúcha! Parabéns, gurizada, sambando na cara desses reacionários. Priscila Ferreira

Vocês acham que esses políticos canalhas merecem respeito? Nós é que merecemos ser respeitados. Parabéns a todos que participaram desse ato. Abaixo a hipocrisia burguesa. Maria Tereza Baierl


Mundo afora


Tirar a roupa como forma de protesto virou prática rotineira entre ativistas pelo planeta, com causas variadas:

OS PROJETOS DE LEI

PASSE LIVRE - Isenção para estudantes de qualquer nível (Ensino Fundamental, Médio e Superior), desempregados, integrantes de comunidades quilombolas e indígenas.
- Criação de fundo para financiar a iniciativa, que não deverá onerar a passagem dos usuários pagantes e não pode rá ser bancada por isenções tributárias.

TRANSPARÊNCIA - Institui a publicação das planilhas de custos do transporte urbano municipal de Porto Alegre, incluindo todos os insumos integrantes do cálculo tarifário, bem como as operações dos consórcios que operam o sistema de transporte. A publicação ocorrerá anualmente, na data base do reajuste tarifário e ao final do ano fiscal, pelo Diário Oficial de Porto Alegre e pelos portais da prefeitura e da Câmara de Vereadores.

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