A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

ANTI-HERÓI VIRA SENSAÇÃO EM TEMPOS DE PROTESTOS


Anti-herói que persegue corruptos vira sensação no Facebook em tempos de protesto. ‘O Doutrinador’ é protagonista de história em quadrinho publicada exclusivamente na rede social

BERNARDO MOURA
O GLOBO
Atualizado:1/07/13 - 8h00

Uniforme militar, camisa de banda de metal e máscara de gás da II Guerra Mundial: esse é o uniforme do Doutrinador, cuja página no Facebook já tem mais de 20 mil fãs. Reprodução


RIO - E, de repente, a manifestação se torna violenta. A tropa de choque é acionada para conter o avanço de um grupo mais exaltado. Do nada, um lança-chamas é disparado na direção dos policiais e muitos se ferem. Um sujeito com máscara de gás da II Guerra Mundial, casaco de capuz, calça camuflada e coturnos pula do meio da multidão e desfere uma voadora em um dos agentes da ordem que permaneceu de pé. "Vamos pra rua", conclama O Doutrinador, protagonista da história em quadrinhos que é sensação no Facebook nestes tempos de protestos.

Criado antes do surgimento das manifestações que tomaram as ruas do país no último mês, muitos marcados pela violência de parte a parte, esse anti-herói é 'um maluco, um doente', segundo as palavras de seu criador, o designer carioca Luciano Cunha, de 40 anos. Ele diz que entende os propósitos da revolta contra o sistema, mas não concorda com a sede de justiça que move o personagem em sua caçada aos corruptores da nação.

— Não é por que estamos revoltados com tudo que está aí que vamos fazer justiça com as próprias mãos. Isso não existe, mas é uma história em quadrinhos — pondera.

A indignação contra a corrupção e a impunidade, além do sentimento antipartidário, são os motores da trama, publicada toda semana em uma página do Facebook criada em abril e que já conta com mais de 20 mil fãs. A origem do Doutrinador, e de seu nome, ainda é desconhecida pelos leitores da trama. Luciano faz mistério e diz que a revelação se dará em alguns posts à frente. O que se sabe, e que se comenta rede afora, é que um justiceiro mascarado tem se dedicado a matar políticos e empresários que, em sua visão, fazem mal ao povo brasileiro. Os traços das vítimas deixam claro que os alvos se inspiram em personagens e fatos da vida real.

O Doutrinador nasceu em 2008, sem máscara, numa graphic novel que chegou a ser enviada para 11 editoras, conta Luciano. Todas recusaram a publicação, apesar de algumas ainda elogiarem a obra — inspirada, na arte e no conteúdo, por quadrinhos da DC Comics, como ‘Watchmen’ e ‘V de Vingança’, de Alan Moore, e da Marvel, que publicou HQs de Frank Miller.

— As editoras respondiam que tinham medo de levar processos dos políticos envolvidos na história. Foram alertados pelos departamentos jurídicos. Mas eu reconheço que era mais explícito do que sou agora — afirma o autor, que desenha com nanquim, escaneia, pinta e faz retoques finais com ajuda de Photoshop e Illustrator antes de espalhar nas redes sociais, em um método que classifica como old school.

O justiceiro adormeceu na gaveta de Luciano até este ano, quando reapareceu sem qualquer pretensão. Estimulado por colegas de trabalho, que sempre chegavam ao escritório comentando um absurdo pinçado do noticiário político, Luciano pôs uma máscara no Doutrinador e o fez ganhar muitos fãs e curtidas no Facebook. Ele conta que teve que adaptar a história original à linguagem dessa nova mídia: curta, sucinta e direta. Em 30 de abril, em début na rede social, o personagem batia continência em frente a uma bandeira do Brasil furada a bala e prometia, num tom quase profético, 'ir para as ruas... preparado para a guerra das guerras'.

Ida de personagem para São Paulo coincidiu com início de protestos

Aí começou a cruzada. Após uma passagem por Brasília, onde acertou contas com o presidente do Senado, o personagem bombou ao aparecer no topo do Maracanã, no dia da reinauguração do estádio, portando um rifle e tendo um grande empresário como alvo. A história rendeu mais de 1.200 compartilhamentos e pôs o Doutrinador no radar de fan pages a serem seguidas pelos mais adictos em rede. Depois dessa, pastores,cantores pop e mais políticos estiveram na mira do justiceiro. A cada post, números mais inflados e elogios rasgados dos usuários.

No início de junho veio a grande coincidência. Um dia após publicar história em que o Doutrinador segue para São Paulo, a maior metrópole do país assiste a um protesto pela redução da passagem de ônibus com forte repressão policial. Era o que Luciano precisava para criar a próxima tira, que mostraria o enfrentamento do personagem com a tropa de choque.

— Foi o timing perfeito. Nem eu esperava, tanto que inseri uma fala do personagem nesse sentido: 'e eis que o brasileiro surpreende a si mesmo e resolve reivindicar' — disse ele, que estima um incremento de 15% em novos leitores na página do Facebook desde o início dos protestos.

O sucesso do Doutrinador também estimula a veia colaborativa das redes sociais. Uma banda de heavy metal fez uma música inspirada na personagem (com direito a clipe), duas monografias analisam o fenômeno e há planos ainda para o lançamento de action figures, aqueles bonecos para colecionadores. Luciano também tem sido convidado para eventos sobre quadrinhos e voltados para a cultura nerd, onde aparece caracterizado como o personagem, no melhor estilo cosplay. A exposição provocada pela web já lança o Doutrinador como candidato a símbolo das revoltas, sejam elas do ‘busão’, do vinagre ou do 'contra tudo que está aí'. E por essa nem os bigodes da máscara de Guy Fawkes esperavam.

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