A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

domingo, 7 de julho de 2013

A ESPERANÇA SEQUESTRADA

ZERO HORA 07 de julho de 2013 | N° 17484


Moisés Mendes*


É comovente a dedicação dos mais velhos ao esforço para entender o que os jovens andaram fazendo nas ruas. Há um desprendimento na atitude de quem acolhe o inconformismo com teorias que nem sempre criam conexões com o ativismo das redes sociais, mas nos oferecem flashes luminosos em meio ao monte de besteiras e obviedades produzidas aos cachos.

Falo dos oráculos, dos cientistas, artistas e jornalistas que estão sempre a postos para nos dizer o que, afinal, uma mobilização como essa representa. Andei lendo alguns deles nos jornais e na internet. O mais requisitado, como estudioso da militância virtual, é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Foi dele, numa entrevista, a advertência aos que se assustaram com a variedade de gente presente nas passeatas:

– O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revoltados, todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem, organizadas por uma única bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida.

Castells tem 71 anos. O filósofo José Arthur Gianotti também foi generoso:

– Caem no molhado as autoridades quando proclamam que, estando nós numa democracia, o protesto deveria ser ordeiro e conforme os canais competentes. Esses canais estão viciados. Daí a necessidade de transformar um incidente num evento político. E a manifestação assume esse caráter porque, mesmo deixando de formular palavras de ordem adequadas, as pessoas passam a manifestar suas contrariedades assumindo o risco de apanharem, de serem presas, de se machucarem e até mesmo de morrerem.

Gianotti tem 83 anos. Os jornalistas Carlos Heitor Cony e Zuenir Ventura também acolheram a gurizada e deram uma estocada no próprio jornalismo, incapaz de captar, apesar dos sinais, que algo estava por acontecer. Cony tem 87 anos. Zuenir fez 82 no dia 1º de junho.

A lista dos vovôs que se dispõem a dizer que entendem e aplaudem a rebeldia juvenil é enorme. Pode incluir o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, de 82 anos, o cientista político americano (pregador de levantes sem violência) Gene Sharp, de 85, e até o cantor Gilberto Gil, de 71.

Todos, com exceção de Sharp, interpretam o que acontece, não são gurus de ninguém. Sharp, dizem, inspira as revoltas árabes, mas não as nossas. Se desfaz, desta vez, a certeza de que, por trás de uma agitação política estão as ideias de algum velho. Em 68, o velho mais charmoso era o filósofo alemão Herbert Marcuse. Tinha 71 anos, misturava Marx e Freud, acreditava no poder transformador dos estudantes e namorava uma utopia para muito além do socialismo. Marcuse perseguia o mecanismo que finalmente nos levaria à felicidade.

Não há um grande orientador intelectual da atual mobilização (não me venham com Bakunin). Os vovôs que nos oferecem a compreensão do movimento nos garantem que as ruas foram tomadas por uma massa “despolitizada”. Os manifestantes não sustentam seus atos em partidos ou ideologias e nem mesmo no consumo de qualquer literatura, digamos, mais complexa.

Por tudo isso, não será a passagem mais barata, o SUS mais eficiente ou a reforma política que irá acalmar esses jovens. O que os confortaria mesmo, como sempre aconteceu com os impulsos juvenis, é saber que existe, sim, a chance da felicidade. Mas não há mais Marcuses, oráculos, gurus, socialismos. As mesmas gerações dos sonhos dos anos 60 sequestraram da atual geração – e de quantas mais adiante? – o direito a uma utopia.


*JORNALISTA

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