A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

domingo, 17 de junho de 2012

GUARNECIDA POR UMA CAPA DE PLASTICO

 
"EXEMPLO E ALERTA MUNDIAL" - JORGE BENGOCHEA



OPINIÃO Estado de S.Paulo 17/06/2012

O GOLPE DA TOGA NO EGITO


Foi uma operação anunciada. Na quarta-feira, a junta militar que governa o Egito desde a deposição do ditador Hosni Mubarak, em fevereiro do ano passado, autorizou a polícia e o exército a prender, sem acusação formal, civis suspeitos de "atividades criminais". O decreto reinstituiu o estado de emergência imposto em 1981 depois do atentado que matou o então presidente Anwar Sadat e extinto há apenas duas semanas. Durante esses 31 anos, mais de 10 mil egípcios foram detidos arbitrariamente. Muitos foram mantidos sem julgamento por longos períodos, antes de serem condenados a penas draconianas - ou simplesmente se tornaram "desaparecidos".

No dia seguinte ao restabelecimento da lei marcial, ficou claro por que o Conselho Supremo das Forças Armadas acionou a marcha à ré. Nessa quinta-feira, a Corte Constitucional, o mais alto tribunal do país, todo ele nomeado por Mubarak e de comprovada lealdade à ditadura, ordenou a dissolução do Parlamento eleito na virada do ano, delegou os seus poderes à junta e invalidou a decisão do Legislativo de banir da política os egressos do velho regime. A lei foi anulada para beneficiar o ex-comandante da Aeronáutica marechal Ahmed Shafiq, o último primeiro-ministro da ordem política que as multidões da Praça Tahrir imaginavam ter derrubado.

Graças a uma liminar, ele conseguiu participar do turno inicial das eleições presidenciais de fins de maio, a primeira disputa de fato competitiva na história egípcia. O candidato do enganadoramente intitulado Partido Independente obteve 24% dos votos, cerca de 1 ponto porcentual a menos do que o vencedor Mohamed Mursi, apoiado pela Irmandade Muçulmana. A exclusão de Shafiq da segunda rodada do pleito, que se encerra hoje, era exigida pelos ativistas que voltaram ao centro do Cairo depois que um tribunal absolveu Mubarak e seus filhos das acusações de corrupção e enriquecimento ilícito, além de seis oficiais da polícia política responsabilizados pela repressão que deixou dezenas de mortos às vésperas da queda do ditador.

Tendo se precavido contra a irrupção de novos protestos, ao exumar o estado de emergência, os militares deixaram o Supremo à vontade para fechar o Parlamento e convalidar a candidatura de Shafiq. O pretexto formal para o golpe foi o alegado descumprimento da sinuosa legislação sob a qual se realizaram as eleições parlamentares. Segundo ela, 2/3 das 508 cadeiras seriam preenchidos pelo sistema proporcional, a partir de listas partidárias fechadas. O terço restante dependeria dos resultados de disputas entre candidatos individuais, pelo sistema majoritário. Mas as autoridades eleitorais liberaram os partidos para apresentar candidatos nas duas modalidades.

Graças a isso, das 235 cadeiras ganhas pelo Partido Liberdade e Justiça, o principal braço político da irmandade islâmica, uma centena foi ocupada por supostos independentes abrigados na legenda. Para os juízes, isso foi uma burla. Só que, em vez de retirar da bancada as cadeiras indevidas, refazendo a composição da Casa, os golpistas de toga trancaram o Parlamento, levaram as chaves e não se deram ao trabalho de avisar quando as devolverão. Tampouco esclareceram o que será da Assembleia Constituinte recentemente organizada pelo Legislativo, que inclui membros da sociedade civil e do estamento militar. Agora só falta fabricar nas urnas a vitória de Shafiq, dele fazendo um presidente sem Congresso nem Constituição a estorvá-lo.

As Forças Armadas formam com a vasta burocracia e o aparato de segurança o Estado profundo no Egito. Elas não só se recusam a dividir o poder com setores alheios ao sistema, como têm aversão à ideia de uma hegemonia islâmica. Entre moderados e radicais, os islamitas detinham perto de 70% das cadeiras do Legislativo. Para os militantes da Praça Tahrir, é o fim da ilusão de que, sem Mubarak, o regime ruiria. "A gente imaginava que o sistema era uma máquina guarnecida por uma capa de plástico", diz um desacorçoado ativista. "Bastaria remover a proteção e as peças se desmanchariam." Agora ele já sabe.

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