A mobilização social é um vigoroso instrumento de defesa de direitos e poderoso para pressionar os Poderes no exercício de seus deveres, obrigações, finalidade pública, observância da supremacia do interesse público, zelo dos recursos públicos e gestão voltada à qualidade de vida do povo. Não existe um futuro promissor para uma nação de cidadãos servis e acomodados que entrega o poder aos legisladores permissivos, a uma justiça leniente e aos governantes negligentes, perdulários e ambiciosos que cobram impostos abusivos, desperdiçam dinheiro público, sonegam saúde, submetem a educação, estimulam a violência, tratam o povo com descaso e favorecem a impunidade dos criminosos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

OS INDIGNADOS COM WALL STREET

OPINIÃO, O Estado de S.Paulo - 12/10/2011


A rua é o desaguadouro natural das pulsões sociais quando os sistemas políticos não conseguem ou não querem acolhê-las, ou ainda quando as sufocam. Nem todos, portanto, saem às ruas pelos mesmos motivos ou com os mesmos objetivos. Como as famílias infelizes de que falava Tolstoi, por oposição às famílias felizes que seriam, todas, parecidas, as insatisfações sociais que se materializam nos espaços públicos têm, cada qual, feitio próprio. As que mais se assemelham, historicamente, são as revoltas contra os despotismos, que eclodem muitas vezes depois que a proverbial gota de água faz transbordar o copo. Ou, numa metáfora apropriada para a presente geografia política, quando uma palha a mais quebra a espinha do camelo - como a autoimolação de um vendedor de rua na Tunísia que levou à derrubada do ditador de seu país e, em sequência, dos seus congêneres egípcio e líbio.

Nas democracias é que as diferenças se acentuam. Os estudantes protestam e são violentamente reprimidos no Chile pelo governo direitista de Sebastián Piñera porque reivindicam, como começaram a fazer no anterior governo de centro-esquerda da presidente Michelle Bachelet, a reforma do sistema de financiamento da educação herdado da era Pinochet. Embora enfurecidos, decerto não passa pela cabeça deles defender uma solução "bolivariana" para as mazelas não sanadas do regime democrático chileno: conhecem a sua história. A democracia tampouco está na mira dos muitos milhares de israelenses que, irados de início com a alta do preço do iogurte, fizeram passeatas e montaram acampamentos para denunciar a crise habitacional do país - e, por extensão, o aumento das desigualdades econômicas sob o governo neoliberal de Binyamin Netanyahu.

O panorama muda de figura quando os descontentes se congregam para escancarar aos políticos - de todo o espectro partidário - a frustração levada ao extremo com a sua aparente indiferença diante dos padecimentos da população. É o caso da Espanha, onde a recessão, o desemprego de 21%, o mais alto da União Europeia, o corte de benefícios sociais e a ausência de projetos dotados de credibilidade para o resgate da economia deram origem à mobilização de Los Indignados, que tempos atrás ocupou a Porta do Sol, em Madri. O seu patrono é o francês Stéphane Hessel, de 94 anos e herói da Resistência, autor do panfleto Indignez-vous, um dos livros mais vendidos na Europa. Os indignados estão longe de repetir o bordão dos argentinos que, na virada de 2001 para 2002, clamavam nas praças portenhas Que se vayan todos. Mas querem um outro (e nebuloso) modelo de representação política.

A onda chegou aos Estados Unidos - e confirma que, sejam quais forem os seus pontos em comum com as de outros quadrantes, sua identidade é também singular. O alvo primário do movimento Ocupe Wall Street não são as instituições, mas, como diz o nome, o capitalismo financeiro, com os seus desmedidos poderes sobre os centros de decisão de Washington e a impunidade extravagantemente bem remunerada de que desfruta, em que pese ter jogado o país na maior recessão desde a quebra de 1929. Não se sabe no que dariam os protestos iniciados há três semanas no Zuccotti Park, no sul de Manhattan, a uma pedrada de distância do símbolo da finança mundial, não fosse a brutalidade estúpida da repressão da polícia nova-iorquina a uma marcha pacífica na Ponte do Brooklyn, no último dia 1.º. Mas o fato é que as concentrações se propagaram para mais de 25 cidades, entre as quais Boston, Chicago, Los Angeles e Washington.

Os seus participantes, em que há de tudo, de anarquistas a operários, podem não saber o que querem. Um jornalista comparou os seus atos a manchas de tinta que, a exemplo das imagens do Teste de Rorschach, cada observador interpreta à sua maneira. Mas eles sabem o que não querem - a hegemonia da alta finança sobre a economia americana e a sua exagerada influência sobre a Casa Branca, que trata Wall Street na palma da mão, enquanto a renda se concentra e o desemprego permanece fixo na casa de 9%.

Os indignados com Wall Street não têm a pretensão de obter respostas prontas às suas aflições. Mas o movimento tem tudo para crescer a ponto de conseguir "dar uma sacudida" no país, como disse Obama.

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